Medida implantada na rede pública de ensino do DF com foco na segurança nas escolas, o Programa de Gestão Compartilhada contempla 17 unidades — 13 com a SSP e quatro com o governo federal. Ministério da Educação reavalia o modelo
postado em 22/01/2023 00:01 / atualizado em 22/01/2023 20:25
Desde o primeiro mandato do governador agora afastado Ibaneis Rocha, a gestão de algumas unidades de ensino públicas passou a ser compartilhada entre as secretarias de Educação (SEEDF) e de Segurança Pública (SSP), com militares atuando em seus quadros. Atualmente, são 17 unidades no total. Destas, quatro funcionam por meio de parceria com o Ministério da Educação (MEC). O modelo, entretanto, divide opiniões entre a comunidade escolar, especialistas em educação e governantes.
O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), por exemplo, manifesta contrariedade desde o começo da implantação, em fevereiro de 2019. “Para atuar na escola, são necessários conhecimentos, experiências e competências das quais os policiais militares não dispõem. Estamos ansiosos pelo fim desse projeto, em defesa da gestão democrática e da educação pública”, declarou o sindicato, por meio de seu site oficial.
O governo federal, no mandato anterior, apoiou e incentivou a militarização de escolas. Agora, a questão toma outro rumo. No primeiro dia como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) extinguiu a diretoria de escolas cívico-militares do Ministério da Educação (MEC). O ministro, Camilo Santana, afirmou que o futuro do projeto será definido até 24 de janeiro. A pasta não diz, no entanto, se manterá as unidades já criadas e que receberam recursos federais ou esperam por eles. “Com cada secretário assumindo suas pastas, vamos avaliar, porque toda política pública precisa ser avaliada”, divulgou o ministro.
Procurada pelo Correio, a Secretaria de Educação avaliou de forma positiva as mudanças observadas desde a implantação da medida e informou que há uma “ampla aceitação” dos pais, responsáveis e professores, com “filas grandes” para conseguir vagas nas escolas que adotam o modelo. Segundo a pasta, “o programa será mantido e o número de escolas será ampliado. É um modelo alternativo às mais de 650 escolas públicas do DF, para as unidades escolares que assim desejarem”. A nota diz, ainda, que a ampliação “está prevista no plano de governo do DF para os próximos quatro anos”.
Segurança
Maria José Brito dos Santos, 61, é avó de uma aluna de 16 anos do Centro Educacional 01 da Estrutural, escola de gestão compartilhada com a SSP. Para ela, a proposta é positiva. “Antigamente, tinha briga demais entre os alunos, era direto. Agora, com os militares, ficou mais calmo. Também passou a ter maior aproximação da escola com os pais e responsáveis, além de ter melhorado a qualidade de ensino”, comemora a dona de casa.
Toshiro Yamaguti, diretor do CEF 19 de Taguatinga. relata que a experiência tem sido boa e que a decisão de aderir à gestão compartilhada com a SSP foi tomada por mais 80% da comunidade escolar, o que inclui pais, professores e demais funcionários da instituição.
No CEF 19, a parceria, firmada em 2019, é com o Corpo de Bombeiros (CBMDF), que fica responsável pela parte disciplinar, como o controle de entrada e saída de alunos, a verificação se eles estão dentro de sala, respeito e alinhamento do uniforme. Não há interferência no conteúdo pedagógico. “Tivemos em 2021 o primeiro ano completo com os bombeiros na escola, por causa da pandemia, e percebemos uma otimização do tempo em sala de aula e que a média de notas aumentou”, conta o diretor, que também destaca que muitos militares têm formação na área da educação. “A maioria está satisfeita”, celebra. Os estudantes têm tido saída de campo com os militares e muitos passaram a se identificar com a profissão, de acordo com o pedagogo. “O entorno da escola também ficou mais seguro. Até o comércio relata uma melhoria”, conclui.
Críticas
Apesar da aceitação da comunidade escolar, especialistas com quem o Correio conversou avaliam negativamente essa política para a educação pública. Luciano Blasius, coordenador do departamento de pedagogia da Universidade Católica de Brasília (UCB), sustenta que a medida, adotada como solução para a violência nas escolas, é imediatista e necessita ser revisada. “O que se precisa é valorizar a escola na sua essência, desde a estrutura até a formação docente”, explica ele, que também é policial da reserva do Paraná.
Luciano também comenta a falta de preparo dos militares selecionados. “Em geral, eles não têm preparo técnico e social para estar em um ambiente escolar. É necessário o conhecimento amplo sobre desenvolvimento humano. É na adolescência que são formadas as personalidades social e cidadã do indivíduo”, analisa.
No Centro Educacional (CED) 7 de Ceilândia a gestão é compartilhada com a Polícia Militar (PMDF). Joana Darc do Carmo Alves Cruz tem a visão tanto de professora quanto de mãe de aluno da instituição, que aderiu ao programa no início de 2019, ano que ela decidiu tirar o filho desta e escola. “Eles eram muito mais rigorosos com o meu filho, que é negro. Eu reclamei ao capitão que ele estava sendo discriminado, mas nada mudou. Isso começou a mexer com a autoestima dele e decidi tirá-lo de lá”, lembra a docente.
O rigor com o qual os militares tratam os alunos é a principal insatisfação de Joana. “Quando chegam atrasados no primeiro horário, são obrigados a marchar até chegar o segundo tempo”, relata. Ela conta que testemunhou a busca ativa de alunos na casa deles com viatura da PM. O temor de Joana Darc é que haja uma maior evasão escolar.
Estudioso da militarização da política e professor do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB) Rodrigo Lentz alerta para o mito de que essas escolas tenham melhores resultados porque são militarizadas, argumento que justificaria o programa. “Isso ocorre porque elas recebem mais recursos. Os institutos federais, por exemplo, que também recebem mais recursos, têm bons índices de aprovação nos vestibulares, baixos de violência e não precisam de militares lá dentro”, afirma.