CHICO SANT’ANNA – Jornalista, é analista Legislativo do Senado Federal
A reforma fiscal que vem por aí deveria focar o preparo do país em face dos novos tempos. Mais do que a tão propalada simplificação dos tributos — como clamam os farialimers — ela deve priorizar temas como a preservação ambiental, o estímulo a novas fontes renováveis de combustível, mudanças de hábito dos consumidores, apoio à pesquisa e educação, entre tantos temas que estão na ordem do dia, além, é claro, de preservar a integridade de nossa República Federativa. Nossos entes federativos perdendo paulatinamente suas prerrogativas.
Mais e mais governadores e prefeitos são tolhidos pela chamada prerrogativa federal. Chegamos a um ponto em que uma cidade ou um estado não pode adotar regras que reduzam o consumo de sal ou de açúcar nos alimentos, mesmo sendo esse mesmo estado ou essa cidade o responsável em bancar os tratamentos de hipertensão ou diabetes. Mesmo que haja uma esquadra de iates ou esquadrilha de jatinhos particulares em seu território, nenhum governador pode taxar tais veículos com IPVA, pois é prerrogativa da União.
Esses são meros exemplos de como nossa política de impostos é socialmente injusta e não dá autonomia aos gestores públicos que estão na ponta. Até mesmo o ICMS sobre energia elétrica foi enquadrado nacionalmente. Nenhum estado pode, por exemplo, diferenciar a tributação da energia de acordo com a matriz energética, mesmo que algumas sejam mais poluentes do que as outras, como as emanadas de termoelétricas.
A nova política fiscal deve ser motivadora de mudanças de padrão de consumo e, principalmente, da natureza das embalagens. Apoiar a embalagem reutilizável e penalizar as descartáveis. Deve ainda incentivar a reciclagem. Não há sentido penalizar com impostos a venda de sucata. Metais, papel usado, plástico, ferro velho, garrafas vazias, cacos de vidro, borracha, tecidos, tudo deve ter uma carga zero de impostos, de forma a serem mais atrativos para as indústrias do que a matéria-prima originária.
A recente revisão dos impostos federais nos dá um pouco de alento. Nem tanto pela volta dos tributos, mas pela diferenciação a eles imposta. Etanol pagará menos do que a gasolina. Faz todo sentido. Primeiro, é menos poluente, contribui para a melhoria da qualidade do ar e, consequentemente, para a redução de problemas respiratórios na população.
Tradicionalmente, o etanol é produzido mais próximo dos consumidores. Isso fortalece a regionalização da economia, gera empregos de forma local. Grande parte do etanol consumido no DF, por exemplo, vem de Goiás. Assim, contribuímos para que haja mais oportunidades nos municípios circunvizinhos. E menos pressão social na capital federal. Os estados deveriam seguir esse exemplo e taxar menos o etano. No DF, os dois combustíveis têm a mesma carga de ICMS.
A tributação da exportação de petróleo também é uma sinalização interessante e deveria vir para ficar. Ser modelo a outros produtos. Não há justificativa em penalizar o contribuinte brasileiro, que paga uma carga fiscal cara na bomba de gasolina, e mandar petróleo desonerado para os Estados Unidos. De cada três litros que tiramos do subsolo, um vai para o exterior. Totalmente desonerado de impostos. Embora a exportação de petróleo renda anualmente cerca de R$ 52 bilhões, o Estado brasileiro pouco lucra com isso. Quem mais fatura são empresas multinacionais como a Shell, Total e Equinor, que aqui aportaram suas plataformas, contando, até, com isenções fiscais concedidas no governo tampão de Temer. Em 2017, logo após a queda de Dilma Rousseff, ele isentou até 2040 os impostos cobrados sobre bens, maquinários e implementos destinados à exploração, inclusive importações, o que prejudicou a indústria nacional.
Outro segmento que conta com tratamento privilegiado é o agronegócio. Enquanto os alimentos do brasileiro são taxados na mercearia, as exportações de grãos, normalmente usados na ração de rebanhos estrangeiros, são desoneradas. Não consideram, nem mesmo, que essas commodities demandam elevado consumo d’água e ampliam o desflorestamento do cerrado e da Amazônia.
Uma nova política fiscal deve assim apoiar uma agenda verde, focar as metas do Acordo de Paris, seja desonerando os ambientalmente corretos, seja penalizado os demais. Deve respeitar a autonomia de estados e municípios, deve dar o espaço para políticas fiscais regionalizadas, identificadas com as potencialidades e necessidades locais. A chamada unificação tributária só funciona em países não federativos, como França e Chile. Todas as repúblicas federativas traduzem em suas políticas fiscais a autonomia de seus entes. Não respeitar isso é legislar contra o Pacto Federativo, previsto na Constituição de 1988.