Ter um pai tóxico, esclarece especialista, não significa ter sofrido exclusivamente com um pai abusivo. Há diferentes ações que podem definir essa postura.
09/05/2023 09h50
Há alguns anos, a psicóloga argentina Camila Saraco percebeu que muitos dos pacientes que a procuravam tinham algo em comum: tiveram uma “criação tóxica”.
Ter um pai ou mãe tóxico, esclarece a profissional, não significa ter sofrido exclusivamente com um pai abusivo. “Existem tantas outras maneiras pelas quais os pais magoam, às vezes inconscientemente”, diz.
Ela decidiu, então, criar um curso: “Pais Tóxicos”, para ajudar a compreender quais os comportamentos dos pais que não são saudáveis, quais as consequências para os filhos e o que podem fazer aqueles que têm esses pais ou mães.
Saraco ressalta que um genitor ruim não é necessariamente uma pessoa má.
“Tem muita mãe ou pai que é extremamente bom e que, por amor, sem querer, também são tóxicos”, explica.
O psicólogo mexicano Joseluis Canales, autor de vários livros, entre eles “Pais Tóxicos: Legado Disfuncional de uma Infância”, publicado em 2014, concorda com isso.
Canales aponta que, às vezes, um pai é tão bom que não tem autoridade, algo que também é prejudicial para os filhos. Ainda assim, diz ele, “é importante entender que todos os pais cometem erros e isso não os torna tóxicos”.
Dar amor e formação
O que então torna uma criação pouco saudável?
O autor destaca que os pais têm duas funções principais: “Dar amor aos filhos e formá-los para a vida”.
Alguns pais geram prejuízos porque deixam de fazer o primeiro. Outros porque falham no segundo.
Curiosamente, parece haver uma diferença de geração entre esses dois grupos.
Os pais dos chamados Baby Boomers e Geração X costumavam ter mais problemas na hora de dar carinho e apoio emocional aos filhos.
Saraco conta que vários de seus pacientes, com mais de 40 anos, apresentam problemas de baixa autoestima e sensação de insuficiência que geram conflitos no relacionamento, algo que ela atribui a uma educação deficiente do ponto de vista afetivo.
Por outro lado, nas últimas décadas, o dano muitas vezes é causado por pais amorosos que não sabem impor limites e superprotegem seus filhos, criando “filhos tiranos” que não sabem administrar suas emoções e sofrem porque ficam frustrados ao menor obstáculo.
Como são os pais tóxicos
É importante esclarecer que tanto homens quanto mulheres podem ser pais tóxicos. E que, quando os dois são responsáveis pela criação, os danos são causados por ambos.
“Se um dos membros do casal é tóxico, o outro é um abusador passivo”, diz Canales.
A seguir, mostramos algumas das características dos pais tóxicos, segundo especialistas.
1. Abusivos
Sem dúvida, os pais que abusam sexualmente e são violentos com os filhos são os que afetam mais profundamente.
Mas não é necessário que um pai abuse fisicamente de uma criança para causar danos muito difíceis de curar, alertam os especialistas.
Agressões verbais e emocionais também são prejudiciais, apontam. Elas vão desde desqualificar uma criança (“não vai dar certo para você”, “deixa para lá, é melhor que eu faça isso”) a “insultá-la com palavras que ferem sua integridade, como chamá-la de ‘idiota’, dizendo que ninguém vai amá-la ou que se arrepende de tê-la.”
Canales diz que “O risco é que tudo isso se torne uma voz interna”. E Saraco considera que, às vezes, “é mais fácil curar uma infância com golpes do que uma com abusos psicológicos”.
“Há pais que se tornam violentos quando bebem. Nesses casos, a vítima pode entender que o pai bate nele quando ele se descontrola e que ele tem o problema. Por outro lado, se ele crescer ouvindo humilhação, ele a assimila como algo próprio”.
2. Manipuladores
Outra característica de um pai ou mãe tóxico é a manipulação, que Canales chama de “abuso emocional”.
“O eixo dessa forma de abuso tem a ver com a culpa. O adulto se faz de vítima na frente da criança para chantageá-la e conseguir o que quer”, descreve.
Saraco observa que esse recurso é mais visto em mães tóxicas.
“Acontece principalmente com filhas que moram com a mãe. A mãe não quer que formem casal para não saírem de casa, então ela começa com comentários e observações negativas sobre o casal, ou interferências que buscam separá-los”, diz. “Isso faz com que a filha viva a relação com culpa.”
3. Controladores
Esta é uma característica compartilhada por pais tóxicos de diferentes gerações. Mas enquanto antes os pais limitavam seus filhos para conseguir sua submissão, hoje o fazem com a intenção de protegê-los.
“Antes, pais tóxicos se impunham, com limites muito agressivos, em vez de acompanhar a autonomia dos filhos”, diz Saraco.
Exemplos típicos são os pais que forçaram seus filhos a estudar certas carreiras ou seguir certas tradições familiares.
“O efeito no filho é que ele não consegue tomar decisões. Isso é muito visto em meninos que começaram a carreira, porque a desobediência aos pais lhes causava muita angústia, e depois de alguns anos eles abandonavam”, diz a psicóloga.
Hoje, a toxicidade envolve superproteger os filhos, querendo evitar qualquer sofrimento ou frustração, segundo os especialistas.
“A superproteção também é um abuso, porque a criança superprotegida aprende que não pode enfrentar a vida sozinha”, explica Canales.
“Parte do aprendizado de todo mundo é por meio do erro. E o erro gera frustração. Você tem que ensinar a tolerar a frustração, senão seu filho não vai conseguir se desenvolver na vida cotidiana”, diz.
4. Negligentes
Outra característica dos pais tóxicos modernos é que “são muito permissivos e têm medo de impor limites aos filhos“, o que os torna negligentes, segundo Canales, pois “negligenciam as necessidades físicas, emocionais, sociais e acadêmicas dos filhos”.
Se o pai negligente de antigamente era o ausente, ou aquele que não dava atenção ao filho, hoje é quem “deixa ele comer o que quiser, faltar à escola, não fazer o dever de casa e desrespeitar os outros”, exemplifica.
“Ao serem negligentes, eles dão às crianças um poder que uma criança não pode lidar de forma saudável. Os pequenos se tornam os adultos no sistema familiar”, alerta.
Nesse tipo de educação, todo mundo sofre, acrescenta o psicólogo.
“A criança cresce sem conseguir se encaixar em uma escola, em uma universidade, em um mundo de trabalho, em uma sociedade em que não pode fazer o que quiser”, diz.
Os pais se sentem “aprisionados” pelas birras do filho.
E até a sociedade sofre, pois “está se formando uma geração de tiranos, que não respeitam a autoridade, não têm capacidade de se frustrar e, sendo crianças muito egocêntricas, têm pouquíssima empatia e capacidade de ceder ao problema dos outros e ver o bem comum”, diz o psicólogo.
Como lidar com pais tóxicos
Se você cresceu com pais permissivos e superprotetores, o que você precisa fazer é “tomar a decisão de sair dessa superproteção”, diz Saraco. No entanto, ela esclarece que isso é algo que só pode ser feito quando se é adulto.
“Não se pode pedir a uma criança que saia do vínculo tóxico protetor”, adverte.
Nesse caso, há várias dicas práticas para pais abusivos, controladores e manipuladores.
“Primeiro, é importante que você perca a ilusão de que vai conseguir mudá-los.”
“Também não tente argumentar com eles, nem entender como eles pensam, porque eles têm outra forma de ver as coisas, e você deve evitar entrar em discussões que não levam a lugar nenhum”, diz.”Você tem que tentar sair desse lugar de tentar agradá-los e gostar deles o tempo todo, que é o que eles querem ou fazem a criança sentir.”
“E é fundamental que você aprenda a estabelecer limites emocionais e, se necessário, até físicos”, completa.
No entanto, o principal trabalho é consigo mesmo, afirmam os dois especialistas.
“Devemos tentar fortalecer nossa autoestima e segurança para não ceder às manipulações e não hesitar naqueles momentos em que as frases desses pais podem nos intimidar ou desestabilizar”, diz Saraco.
Já Canales afirma que “o mais importante é desaprender o que te ensinaram a ser amor e reaprender o que é o verdadeiro amor, para estabelecer relações saudáveis”.