Estudos mostram os impactos das condições insalubres em moradores de áreas atingidas por conflitos bélicos, como o que assola a Ucrânia há um ano. Piora de doenças crônicas e alterações cerebrais estão entre os prejuízos observados
postado em 26/02/2023 06:00
Era pouco mais de 5h e ainda estava escuro na Ucrânia quando o céu clareou subitamente em Kiev. Explosões na capital, em Kharkiv, Odessa e Donbass em 24 de fevereiro de 2022, uma quinta-feira, marcaram o início de uma guerra que, até agora, matou cerca de 300 mil pessoas, incluindo civis. Destruído pelas forças russas, o país da Europa Oriental lida com uma crise na saúde pública, com falta de suprimentos médicos, instalações bombardeadas e milhares de pacientes de doenças crônicas desassistidos. Os impactos estão sendo calculados por especialistas, mas, com base neste e em outros conflitos armados, já se sabe que são diversos: de alterações na estrutura cerebral a aumento global da resistência antimicrobiana.
“Desde o começo do conflito, a Organização Mundial da Saúde verificou 802 ataques ao sistema de saúde, que resultaram em 101 mortes de profissionais e pacientes”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, comentando os 12 meses de invasão russa. “A guerra está exacerbando as necessidades médicas, incluindo suporte de saúde mental e psicossocial, reabilitação, tratamento para doenças crônicas e outras, como câncer, HIV e tuberculose, e vacinas para sarampo, pólio e pneumonia. Essas lacunas são um risco para a saúde hoje e no futuro.”
Segundo UbydulHaque, professor de saúde global e epidemiologia da Universidade Rutgers, em New Brunswick, nos Estados Unidos, “o custo humano da guerra Rússia-Ucrânia vai muito além das muitas mortes e ferimentos trágicos resultantes do próprio conflito”. Haque é autor de um artigo, publicado recentemente na revista BMJ Global Health, no qual rastreou mortes e ferimentos provocados pela guerra no território ucraniano, além das consequências da invasão russa na saúde pública (Leia entrevista). Segundo o especialista, o efeito foi profundo e persistirá por gerações.
Um dos impactos da guerra na saúde humana é imperceptível, mas pode ser devastador para o processamento de emoções no cérebro. Um estudo do Brighamand Women’s Hospital, em Massachusetts, detectou alterações físicas na estrutura do cérebro em áreas que controlam emoções e impulsos básicos. Os pesquisadores, do Departamento de Psiquiatria, analisaram imagens geradas por ressonância magnética de 168 veteranos norte-americanos que estiveram em conflitos armados e participaram de um programa nacional de reabilitação do Centro Translacional de Pesquisa para Distúrbios do Estresse.
A equipe descobriu que o estresse gerado pela guerra tinha associação com alterações na microestrutura da substância cinzenta límbica, independentemente de diagnóstico de transtorno mental ou de alguma lesão traumática leve. As alterações detectadas associaram-se ao funcionamento cognitivo, incluindo prejuízo nas respostas a estímulos, na memória verbal de curto prazo e na velocidade de processamento de informações.