Referendado por 38 entidades, documento alerta o governo Lula sobre importância de ações voltadas à intelectualidades negras, quilombolas, LGBTQIA+, indígenas, crianças e pessoas com deficiência
postado em 25/12/2022 18:40
(Crédito: Divulgação)
Realizado entre 5 e 7 de dezembro deste ano na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), o seminário Narrativas reuniu, em sua terceira edição, professores dos ensinos superior e da educação básica, além de artistas, pesquisadores e intelectuais para debater a multiplicidade de vivências decoloniais.
A ideia central foi mostrar a importância da promoção da justiça baseada na reflexão sobre a natureza, o conhecimento e suas relações entre o sujeito e o objeto, assim como fatores diversos, como o pensamento, a linguagem, a percepção, a memória e o raciocínio, que fazem parte do desenvolvimento intelectual — fatores primordiais na difusão de práticas e saberes para o enfrentamento do racismo e do eurocentrismo nos campos da educação, ensino, artes, pesquisa e produção de conhecimento.
No evento foram realizadas sessões ritualísticas coletivas, conduzidas por indígenas e mestres do conhecimento tradicional e de matriz afrodescendente.
Promovido em parceria com as redes de pesquisa da UnB e outras universidades do Brasil e do exterior, o III Narrativas contou, também, com a colaboração do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade da Brasília (AAIUnB), ACoordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).
Ao final, uma carta aberta, assinada por 38 entidades, reconhece a vitória nas urnas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como “um grito de socorro pelo resgate da democracia e pelo restabelecimento de padrões mínimos de civilidade, contra o neofascismo que propaga o ódio e o extermínio dos diferentes como projeto de poder”, e propõe o implemento de ações e políticas públicas que avancem na inclusão de grupos historicamente discriminados. Leia abaixo o documento na íntegra.
Carta do III Narrativas Interculturais Deocoloniais e Antirracistas em Educação: Práticas e Saberes para o Bem Comum e a Boa Vida
Desde o golpe parlamentar de 2016, após seis anos de retrocessos políticos, sociais, econômicos, ambientais, culturais e educacionais, o Brasil tem novamente a oportunidade de retomar o processo de construção de uma sociedade democrática, justa e equânime, nascida da luta dos povos periféricos e afroindígenas e ecoada na Constituição Cidadã de 1988.
Devemos reconhecer que a vontade popular, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva presidente do Brasil para um terceiro mandato, representa um grito de socorro pelo resgate da democracia e pelo restabelecimento de padrões mínimos de civilidade, contra o neofascismo que propaga o ódio e o extermínio dos diferentes como projeto de poder.
O enfrentamento dessa politica de morte, que trouxe de volta a sombra da ruptura com o Estado Democrático de Direitos, a fome, a pobreza extrema e a indigência, o saque predatório de nossas florestas, montanhas e rios, o massacre dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, a banalização da morte e o desprezo pela vida, exigirá o engajamento de todos os setores da sociedade comprometidos com a defesa da democracia.
Dentre os enormes desafios que esse momento de inflexão histórica nos coloca, estão: a reconstrução das instituições e políticas públicas de Estado, em particular as de Educação e Ciência, ferramentas precípuas para o resgate de principios e valores básicos de civilidade e humanidade que foram solapados nos últimos anos.
O III Narrativas interculturais, decoloniais e antirracistas em educação, realizado nos dias 5, 6 e 7 de dezembro de 2022, na Universidade de Brasília, reafirmou seu compromisso com a defesa desses princípios e valores. O evento reuniu professoras/es do ensino superior, da educação básica e em processo de formação, educadoras/es populares, mestras e mestres do conhecimento tradicional, artistas, pesquisadoras/es e intelectuais de dentro e de fora da academia, para o intercâmbio de saberes e práticas educativas em chave intercultural, decolonial e antirracista.
Assim, o Narrativas tem se consolidando como um espaço de valorização de conhecimentos contra hegemônicos — especialmente aqueles provenientes da tradição oral e das zonas periféricas do mundo —, bem como de reconhecimento e visibilização positiva dos sujeitos que os produzem, dentre os quais destacam-se intelectualidades negras, quilombolas, LGBTQIA+, indígenas, crianças e pessoas com deficiência.
Em sentido amplo, o evento busca promover justiça epistêmica e cognitiva e difundir práticas e saberes para o enfrentamento do racismo nos campos da educação, do ensino, das artes, da pesquisa e da produção do conhecimento. Considerando este momento estratégico em que se desenha o projeto de reconstrução do país, e em especial a retomada das políticas públicas em Educação, os coletivos reunidos no III Narrativas vêm a público se somar a esses esforços, identificando e propondo princípios e valores que entendemos serem inegociáveis para a retomada da democracia, dentre os quais listamos:
1) Garantir a educação pública, gratuita e democrática para todas e todos, reconhecendo-a como um bem comum, um direito fundamental e uma garantia constitucional que não pode e não deve ser negociada como mercadoria;
2) Promover políticas públicas em educação para o enfrentamento intransigente do racismo, do sexismo, da violência de gênero, da violência contra as pessoas LGBTQIA+ e toda forma de opressão e discriminação;
3) Fomentar políticas públicas em Educação Intercultural visando a valorização da diversidade cultural, étnica, linguística, epistemológica e cosmológica constitutiva da sociedade brasileira, que expressa os processos civilizatórios e projetos de futuro dos povos originários, dentre os quais estão: Andirobeiras; Apanhadores de Sempre-vivas; Caatingueiros; Caiçaras; Castanheiras; Catadores de Mangaba; Ciganos; Cipozeiros; Extrativistas; Faxinalenses; Fundo e Fecho de Pasto; Geraizeiros; Ilhéus; Indígenas; Isqueiros; Morroquianos; Pantaneiros; Pescadores Artesanais; Piaçaveiros; Pomeranos; Povos de Terreiro; Quebradeiras de Coco Babaçu; Quilombolas; Retireiros; Ribeirinhos; Seringueiros; Vazanteiros; Veredeiros;
4) Fortalecer o protagonismo das experiências comunitárias e dos movimentos sociais populares, buscando reconhecê-las como fonte de criatividade popular e inspiração para a formulação de políticas públicas, visando à promoção de equidade e justiça social;
5) Alavancar as ações afirmativas já existentes e promover outras que avancem na inclusão de grupos historicamente discriminados, tais como: cotas para mulheres em cargos políticos, e não apenas nas nominatas dos partidos; cotas para pessoas trans em instituições de ensino e no mercado de trabalho, incluindo estratégias como investimentos ou redução de impostos para empresas que comprovem empregar pessoas trans; seleção/concurso de professoras/es com ações afirmativas para pessoas trans e mulheres, especialmente nas Ciências Exatas; promover a permanência de crianças e adolescentes trans nas escolas;
6) Assegurar aos Povos e Comunidades Tradicionais: o direito à diferença, à autonomia e autodeterminação, à educação escolar e à saúde etnicamente pertinentes; o exercício democrático e pleno da cidadania, com participação isonômica na vida política da sociedade brasileira e na produção e usufruto dos bens culturais e materiais coletivamente elaborados; políticas públicas que afastem de forma definitiva a ameaça da tese do marco temporal, garantindo a proteção e a manutenção de seus territórios ancestrais, essenciais à produção da existência material e à continuidade dos seus saberes próprios, línguas, culturas, cosmovisões e modos de vida.
Entendemos que esses valores e princípios são civilizatórios e, portanto, inegociáveis. Reconhecemos que o momento atual de reconstrução do país e da democracia exige negociação e diálogo com todos os setores da sociedade brasileira. Contudo, é necessário também reconhecer que foi justamente o ataque sistemático a esses horizontes civilizatórios que empurrou o país para um estado de indigência ética, social e moral, bem como de isolamento internacional. Logo, a observância desses princípios e valores é condição sine qua non para a reconstrução do país e restabelecimento do Estado democrático de direitos. É o que desejam, reivindicam e exigem os coletivos reunidos no III Narrativas Interculturais, Decoloniais e Antirracistas em Educação, abaixo subscritos.
Por fim, solicitamos uma manifestação de acolhimento desta carta e dos princípios e valores nela reafirmados por parte do novo governo. Ademais, sinalizamos nossa intenção de realizar um balanço dessas reivindicações durante o IV Narrativas, que acontecerá na Universidade de Brasília, em dezembro de 2024.
Estaremos atentas/os, vigilantes e participando ativamente do processo de reconstrução do país.
1. Grupo de Pesquisa Educação, Saberes e Decolonialidades (Gpdes/UnB)
2. Grupo de Pesquisa Imagem em Cena (IDA/UnB)
3. Grupo de Pesquisa Afeto (IDA/UnB)
4. Grupo de Pesquisa Educação Crítica e Autoria Criativa (Gecria/UnB)
5. Grupo de Pesquisa Semillero Brasil (FE/UnB)
6. Coletivo de Educação da Coordenação de Articulação Nacional de Quilombos (Conaq)
7. Grupo de Investigación Acción Socio-Ecológica da Universidade Veracruzana do México (GIASE/UV)
8. Núcleo Takinahak da Universidade Federal de Goiás (UFG)
9. Associação das/os Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB)
10. Sindicato das/os Professoras/es do Distrito Federal (SINPRO-DF)
11. Coletivo Educação Científica Decolonial (Pluri-institucional)
12. Grupo de Estudos e pesquisas sobre História da África e Diáspora Africana da Universidade Federal de Sergipe (GEPHADA /UFS)
13. Mestrado em Sustentabilidade junto Povos e Territórios Tradicionais da Universidade de Brasília (MESPT/UnB)
14. Grupo de Estudos e Pesquisas em Negritude, Gênero e Mídia, Cineclube -GEMINA/ Projeto de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)
15. Núcleo de Pesquisa em Estudos Críticos e Linguagem (Necril) e Laboratório de Leitura e Produção Textual (LPT) do Colégio Técnico de Floriano (CTF) da Universidade Federal do Pi-auí (UFPI)
16. Núcleo de Cartografias Sociais do Velho Chico, Instituto Rosa e Sertão
17. Grupo de Estudos e Pesquisa (re)imaginação da escola e do futuro com as infâncias e juven-tudes (GEPRIF)
18. Núcleo de Estudos de Filosofia Africana – Exu do absurdo (NEFA/UnB)
19. Associação Pomerana de Pancas (APOP/ES)
20. Núcleo de Estudos Latino-Americanos do Instituto de Relações Internacionais da Universi-dade de Brasília (NEL/IREL)
21. Coletivo de Cantantes e Brincantes É do Campo, Núcleo de Política e Gestão da Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
22. Grupo Pesquisa Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
23. Núcleo de Estudos Africanos e Indígenas da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (NEAI/UEMASUL)
24. Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Educação, Gestão e Cultura Regional da Universidade Estadual de Goiás, Campus Luziânia (UEG)
25. Grupo Perspectivas Críticas em Educação Linguística e Letramentos da Universidade Esta-dual de Goiás (UEG/CNPq)
26. Fundo Mulheres na Ciência (MunaCi)
27. Grupo EMANCIPA – Educação Popular
28. Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília (AAIUNB)
29. Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC)
30. Consórcio CEDERJ da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (EAD/UERJ)
31. Grupo de Pesquisa em Currículo: Estudos, Práticas e Avaliação da Universidade Estadual Paulista (GEPAC/UNESP)
32. Grupo de trabalho educação e interculturalidade do Observatório dos Direitos e Políticas In-digenistas da Universidade de Brasília (OBIND/ELA/UnB)
33. Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Gênero da Universidade de Brasília (GREIG/ELA/UnB)
34. Grupo de Pesquisa Corpo-território, Educação e Decolonialidade da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
35. Laboratório de Experimentação e Criação em Artes Cênicas (LECA)
36. Grupo Fomento e disseminação das Línguas Indígenas de Sinais nas esco-las/aldeias/comunidades no Brasil
37. Núcleo de Pesquisa e Estudos Africanos e Afrobrasileiros e da Diáspora (UBUNTU /NUPEAAs) da Escola Estadual Geraldo Bittencourt, Conselheiro Lafaiete – MG
38. Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)