O que reivindicam os professores do Distrito Federal não são privilégios corporativistas, mas reposição salarial e reestruturação de carreira para que possam viver dignamente
postado em 28/04/2023 19:49 / atualizado em 29/04/2023 19:50
Rodrigo Suess, doutor em geografia e professor de educação básica do DF
No dia 25 de abril meus colegas professores votaram pela adesão à greve como estratégia de luta diante do ponto de inflexão entre a classe trabalhadora docente e o Governo do Distrito Federal. Sobre essa questão, tomo a liberdade de expressar aquilo que sinto, vivo e pesquiso por meio deste texto.
Sabe-se que a valorização da educação nunca foi carro chefe do Brasil, desde a sua constituição enquanto Colônia, Império e República, revelando certo conforto da elite dirigente deste país na manutenção do status quo no papel internacional brasileiro em fornecer matérias-primas e produtos com baixo valor agregado e, internamente, na manutenção do jogo de posições e hierarquias que a privilegia, às custas de pobreza, fome e desigualdade no território nacional.
Ao considerar essa questão estrutural, gostaria de tecer alguns comentários sobre a questão posicional do professor de Educação Básica da rede pública de ensino do Distrito Federal. Reconhece-se que o Distrito Federal possui vantagens competitivas em relação à considerável parcela das redes públicas de outras unidades da federação. Entretanto, não o suficiente para romper com o subdesenvolvimento do sistema educacional brasileiro.
Sabe-se, assim, que podemos ser mais do que aquilo que estamos sendo nesta conjuntura social. Tomada essa consciência, independente do espectro político, a única direção plausível para o nosso corpus social é o olhar para frente: pensando no presente, na melhoria da qualidade de vida da população, na redução de seu sofrimento e no respeito à sua dignidade humana; pensando no futuro, no conjunto de possibilidades e disponibilidade de condições que se tem para a realização e desenvolvimento do país.
Trata-se, ainda, de desvelar aquilo que todos os professores vivenciam nas escolas públicas do Distrito Federal. Se, por um lado, a estrutura física das escolas têm melhorado, por outro lado, ainda pouco contempla a execução de processos mais complexos, criativos e emancipatórios em prol da comunidade escolar. Soma-se a essa base material outros problemas que envolvem as condições de trabalho, a formação de professores, a valorização social e profissional da profissão docente, além da latente precarização das relações de trabalho que atingem direta e indiretamente à classe trabalhadora brasileira, como evidenciado pela lida diária do professor e diversas pesquisas científicas realizadas nos últimos anos.
Para o momento, destaca-se a falta de valorização da categoria como uma das questões que mais aflige os professores da rede, justamente, por impactar em sua existência social, ambiental, econômica, cultural e afetiva. É verdade que a Educação do Distrito Federal já ocupou lugar de destaque no cenário nacional com as ideias inovadoras que aqui tiveram respaldo e a valorização salarial do professor. Entretanto, o início da década de 2020 representou avanços lentos, seguidos de estagnação e retrocesso (inflacionário). Em 2015 os professores obtiveram seu último aumento salarial (3,5%), pago somente em 2022. Entre esse período, a classe profissional sofreu perdas inflacionárias na ordem de 48,34%.
Soma-se, ainda, a esse montante a previsão inflacionária de 6,01% para o ano de 2023, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), realizado pelo IBGE, além do aumento da alíquota previdenciária sofrido recentemente. Assim, registra-se estagnação na perspectiva profissional e salarial do professor nos últimos anos.
Em termos relacionais, a situação mostra-se preocupante se comparada com outras categorias de nível superior do Governo do Distrito Federal, a classe dos professores é a mais desvalorizada em termos salariais e em desacordo com o Plano Distrital de Educação – 2015-2024, que, em sua meta 17, prevê a equiparação salarial com outras carreiras equivalentes do serviço público do Distrito Federal, a um ano de seu vencimento, nenhuma medida governamental foi tomada para o cumprir seus dispositivos.
Nesse aspecto, não se considera adequado e justo o discurso retórico e simplista que prega isonomia salarial entre as carreiras, enquanto existirem expressivas assimetrias entre elas. Nesse caso, o adequado seria a igualdade entre as profissões que desenvolvem atividades de complexidade semelhante e possuem importância estratégica para o desenvolvimento do Distrito Federal, o que não ocorre. Sabe-se que a formação integral do ser humano, por meio do processo de ensino-aprendizagem nas escolas, é da mais elevada complexidade e exige condições de trabalho adequadas, formação permanente e dedicação exclusiva. Desse modo, a luta da categoria visa uma reparação histórica diante de uma desigual e injusta estrutura hierárquica profissional.
Enquanto as demais carreiras recebem um adicional de 15% para especialização, 20% para mestrado e 30% para doutorado, como base de cálculo o valor de R$ 2.800,00, o que corresponde, respectivamente, R$ 420,00; R$ 560,00 e R$ 840,00, os professores contam com o acréscimo de R$ 250,83 para especialização, R$ 501,66 para mestrado e R$ 752,48 para doutorado, sobre o vencimento inicial da carreira. Esses valores são menores se comparados com o Estado de Goiás, que paga 40% em cima do vencimento básico para o mestrado e 50% para o doutorado, o que corresponde, para o professor em início de carreira, os valores de R$ 1.506,00 e R$ 1.882,50, respectivamente. Essa realidade corrobora com o não cumprimento da meta 16 do Plano Distrital de Educação 2015-2024, que prevê que até 2024, todos os professores disponham de especialização, 33% de mestrado e 3% de doutorado contrastando com os dados mais recentes que revelam ser da ordem de 74% os profissionais com especialização, 8,6% com mestrado e 1,4% com doutorado.
Desse modo, o que reivindicam os professores do Distrito Federal não são privilégios corporativistas, mas reposição salarial e reestruturação de carreira para que possam viver dignamente, com o devido reconhecimento social, profissional e salarial. Relacionam-se, também, às questões apresentadas, melhores condições de trabalho nas escolas e trabalhistas para os professores temporários, isonomia entre os professores que se encontram na ativa e os aposentados e incorporação de gratificações.
Nesse caminho, conta-se com a compreensão da sociedade da importância e função social do professor para o desenvolvimento sustentável, justo e solidário do Distrito Federal. Em respeito ao Estado Democrático de Direito e como integrantes dele, conta-se, ainda, com o diálogo aberto e franco entre os professores, o Governo do Distrito Federal e a Câmara Legislativa do Distrito Federal para que juntos possam pensar numa solução plausível de reparação das disparidades de condições de trabalho e remuneração salarial entre os professores e os demais servidores públicos do DF, com o devido reconhecimento dos profissionais da educação.
O nosso dever enquanto classe profissional, que dispõe de compromisso social com as classes populares e médias, afetadas intensamente pela crise econômica e pandêmica nos últimos anos, é o da esperança, sem a qual a educação não existiria, segundo Paulo Freire. A educação é, portanto, uma causa indissociável de nossa natureza e de nossa construção social, nos cabendo deixar como herança para as novas e futuras gerações condições melhores e compreensões mais lúcidas do que recebemos, nos comprometendo com o desenvolvimento contínuo de um mundo melhor. Assim, a luta pela educação para todos e de qualidade não é uma luta apenas dos professores, mas de toda a sociedade.
*Doutor em geografia pela Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Capelle Suess é professor de educação básica na carreira de magistério público do Distrito Federal