A clássica disputa entre o Ministério das Minas e Energia e a Petrobras se repete mais uma vez. Agora, opõe o ministro Alexandre da Silveira (PSD-MG) e o presidente da empresa, senador licenciado Jean Paul Prates (PT- RN). É um choque que tem a cara do governo Lula, porque opõe um liberal e um social-democrata, respectivamente, com esquemas diferentes de raciocínio econômico. Uma questão-chave para o futuro do país é a política energética; ela determinará nosso desenvolvimento.
Como em outras áreas do governo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, vem tendo grande protagonismo na defesa da agenda desenvolvimentista do PT, que levou o partido ao segundo turno. Chegou a dizer que se a Petrobras não seguir a orientação que vem sendo dada pelo presidente Lula, estará se fazendo um “estelionato eleitoral”. Ocorre que Lula somente venceu as eleições porque obteve apoio de partidos de centro e da chamada terceira via, com uma agenda social-liberal. Prates representa a agenda raiz, Silveira a da frente ampla, que obviamente é mais feijão com arroz.
Os fantasmas que rondam a queda de braços entre Prates e Silveira, como na disputa pelas indicações dos membros do Conselho de Administração da empresa, são o fracasso da “nova matriz energética” do governo Dilma Rousseff, que apostou no velho “capitalismo de Estado” como via de desenvolvimento; e os escândalos de corrupção na Petrobras, o chamado “petrolão”, combustível da Lava-Jato e da crise ética que atingiu o nosso sistema partidário.
O “capitalismo de Estado” foi uma via de industrialização das ditaduras fascistas e “socialismo real”. No Brasil, durante o Estado Novo e no regime militar pós-1964, sobretudo no governo Geisel, também. Há liberais que consideram o “capitalismo monopolista de Estado” uma parceria necessária entre o governo e as grandes empresas, com objetivo de fortalecê-las. Nesse caso, o Estado representa os interesses do grande capital em detrimento dos consumidores. Um modelo bem-sucedido com esse viés é o da Coréia do Sul.
A experiência dos “campeões nacionais” seguiu a fórmula coreana; durante o governo Dilma Rousseff, obteve alguns sucessos e colecionou fracassos. A participação no sistema de financiamento eleitoral, que permitia doações dessas empresas, envenenou o sistema político brasileiro, sendo substituído pelo financiamento público. Grandes empresas, a JBS e a Ambev, se transformaram em multinacionais; estatal, a Petrobras foi “canibalizada”. O resultado do fracasso desse modelo foi o tsunami eleitoral de 2018, que elegeu Jair Bolsonaro à Presidência.
A Petrobras não esteve apenas no epicentro dos escândalos de corrupção, a empresa foi protagonista do fracasso da estratégia de adensamento das cadeias produtivas nacionais por não se integrar de forma competitiva às cadeias globais de valor. Por exemplo, desperdiçou o boom do pré-sal: ao mesmo tempo em que o Brasil criava uma empresa a fórceps para produzir sondas de petróleo, a Sete Brasil, que se tornou um foco de corrupção, o governo suspendeu por vários anos os leilões de poços do pré-sal, porque a petroleira brasileira não tinha recursos para participar das disputas. Isso desorganizou todo o “cluster” de exploração de petróleo, que envolve milhares de empresas, especialistas e técnicos de várias nacionalidades, que se deslocam entre as bacias petrolíferas dos países produtores a cada etapa da exploração. O Rio de Janeiro foi do céu ao inferno nesse processo.
A recidiva do “capitalismo de Estado” no Brasil chegou a ser saudada como um modelo à brasileira, no momento em que diversos países tentavam reinventar o Estado, com regimes iliberais, para se modernizar e acompanhar a globalização. Foi mais um voo de galinha. Parceiros comerciais mais competitivos, principalmente a China, dominaram o nosso mercado e deslocaram a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.
China, Índia, México, Polônia, Indonésia, Vietnã e Tailândia se beneficiaram mais do que os outros países da fragmentação da produção e da expansão das cadeias globais de valor. Entretanto, com 50 milhões de jovens, o Brasil desperdiçou o chamado “bônus demográfico”, quando há, proporcionalmente, um maior número de pessoas em idade ativa aptas a trabalha. O aumento da população nessa faixa etária começou no início da década de 2010 e vive o seu auge, mas essa geração foi desperdiçada.
Também desperdiçamos o ciclo de commodities, ao aumentar o consumo sem ampliar os investimentos na infraestrutura e na educação. Na vanguarda da inteligência artificial e da internet das coisas, os Estados Unidos agora protagonizam uma rearranjo de suas cadeias globais, para reduzir a dependência à importação de componentes eletrônicos, principalmente da China. Quem mais se beneficiou disso até agora foi o Vietnã.