Depois de 15 votações que paralisaram o Congresso por quatro dias, o conservador Kevin McCarthy é eleito presidente da Câmara dos Representantes. Impasse expõe racha no partido de Trump e fragilidade política do magnata
postado em 08/01/2023 06:00
O impasse histórico durou mais de 96 horas e somente terminou depois da 15ª rodada de votação. Algo que não se via na Câmara dos Representantes desde 1859. A eleição de Kevin McCarthy para o cargo de presidente da Casa, em sucessão à democrata Nancy Pelosi, expôs fissuras dentro do Partido Republicano, inclusive na ala mais à direita e alinhavada à ideologia de Donald Trump. Também colocou em xeque a influência política do próprio magnata, que ensaia um retorno à Casa Branca. “Temos que colocar os Estados Unidos de volta aos trilhos”, declarou McCarthy, antes de fazer o juramento como o 55º líder da Câmara, na 118ª legislatura. A vitória veio depois de o Caucus da Liberdade, grupo de republicanos ultraconservadores leais a Trump, ceder e possibilitar a nomeação do californiano de 57 anos com a minoria simples de 216 votos.
“Agora, o trabalho duro começa. (…) Como presidente da Câmara, minha responsabilidade final não é com o meu partido, minha conferência ou mesmo com o Congresso. Minha responsabilidade, nossa responsabilidade, é com o nosso país”, assegurou o agora terceiro político mais poderoso dos Estados Unidos, segundo a linha de sucessão — depois do presidente, Joe Biden, e da vice, Kamala Harris. McCarthy atribuiu a Trump a própria vitória e afirmou que “ninguém deveria duvidar de sua influência”. “Ele estava comigo desde o começo”, garantiu. O problema, segundo analistas, é que parte dos republicanos demonstraram resistência em avalizar McCarthy e, por consequência, Trump.
Historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), James Naylor Green explicou ao Correio que a disputa pelo poder na Câmara reflete o começo do processo de desarticulação da importância de Trump na política norte-americana. “McCarthy fez tudo para agradar Trump. Ele denunciou a invasão ao Capitólio, em 2021, mas percebeu que seria um erro político e acabou endossado pelo magnata para ser o novo presidente da Câmara”, afirmou. “Muitos congressistas da ultradireita também entenderam que McCarthy ganharia a disputa e negociaram comitês e presidências de comissões. No entanto, a ultradireita organizada, chamada de Caucus da Liberdade, pressionaram McCarthy em troca de várias concessões de procedimentos que afetarão a maneira como a Câmara funcionará no próximo mandato.”
Segundo Green, as reivindicações atendidas tendem a enfraquecer o poder do novo presidente da Câmara — entre elas a possibilidade de se pedir voto de confiança do líder. “Nesse sentido, McCarthy ficará sequestrado por esse setor republicano. A margem entre republicanos e democratas é de cinco votos. A polarização é tamanha que ninguém abandonará o partido de Trump para apoiar os democratas”, avaliou.
O historiador acredita que alas mais preocupadas com o prestígio do Caucus da Liberdade podem não apoiar propostas para o regimento interno da Câmara. Para Green, a liberação do teto de gastos e de empréstimos para quitação de dívidas internas poderá causar uma crise econômica enorme, com reflexos na Bolsa de Valores e no aumento de juros. “Isso será creditado na conta dos republicanos”, advertiu.