A catadora de recicláveis Aline Sousa, que passou a faixa presidencial ao presidente Lula, quer aproveitar a visibilidade para defender mais educação ambiental, além de pedir o resgate e o fortalecimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos
postado em 04/01/2023
Em uma quebra inédita de protocolo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Planalto acompanhado por alguns representantes da sociedade civil em sua posse em 1º de janeiro. Naquele ato simbólico, Lula deu visibilidade a diversas pautas que, por muito tempo, foram esquecidas no Brasil. Uma das lideranças presentes no momento histórico foi a brasiliense Aline Sousa, presidente da Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop). Além de subir a rampa junto ao presidente, Aline foi a escolhida para colocar a faixa presidencial em Lula, momento que ela descreve como a “consagração da democracia”.
O convite para subir a rampa veio poucos dias antes da posse, por meio de uma ligação de Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do presidente Lula. A notícia de que tinha sido a escolhida para passar a faixa, entretanto, surgiu apenas poucos minutos antes do momento histórico. “Fui informada pelo cerimonial do palácio. Soube que foi ideia da Janja Silva, primeira-dama do Brasil. Fiquei muito feliz”, destaca Aline. “Lula foi o único presidente que tratou os catadores como seres humanos”, acrescenta.
No momento da passagem da faixa, Aline não segurou a emoção. “Chorei muito. Foi uma situação contagiante. Naquele momento, eu só queria abençoá-lo. Beijei o rosto dele como uma forma de dar a bênção. Foi algo que meu pai me ensinou”, conta.
Terceira geração de catadores em sua família, Aline tem 33 anos, é casada, mãe de sete filhos e mora no Riacho Fundo II. Ela está no terceiro mandato como presidente da Centcoop. Apesar de ter orgulho do que faz, espera uma vida diferente para os filhos. “Quero que eles estudem e tenham um futuro melhor”, diz ela. Aline morou por 10 anos em uma ocupação irregular no Pistão Sul, com outras 60 famílias. O local ficava embaixo de uma das maiores redes de tensão elétrica do DF. Ela conquistou a casa própria por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. “Sou grata a Lula e a Dilma por essa conquista”, afirma.
Conscientização
Aline aproveita o momento de visibilidade para trazer à tona a pauta da educação ambiental e conscientizar a população. “Os resíduos são questão de saúde pública”, ressalta. De acordo com a catadora, a população precisa se atentar ao descarte correto dos resíduos, pois isso impacta diretamente não só no trabalho e no ganho dos catadores, como também no meio ambiente. Ela explica que, das 1.100 toneladas de resíduos que a Centcoop recebe mensalmente, só é possível reciclar cerca de 40%. “Nós catadores somos apenas parte da solução. A população precisa fazer a parte dela”, explica. “Quem decide para onde vai o resíduo é o consumidor primário. Não adianta colocar a culpa no poder público pela ineficiência na coleta ou nos catadores pela triagem. Todos nós somos responsáveis pelo descarte correto do nosso lixo. É uma responsabilidade compartilhada”, esclarece.
A cooperativa
Fundada em 2006, a Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop) congrega outras 21 cooperativas do Distrito Federal. Desde 2020, a cooperativa conta com um complexo integrado de reciclagem, localizado próximo à Estrutural.
Construído com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e com apoio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema) e do Serviço de Limpeza Urbana do DF (SLU), o complexo acaba gerando custos que nem sempre a cooperativa tem condições de arcar. “O valor mensal para manter essa estrutura é de R$ 300 mil. Quando o complexo foi inaugurado, achávamos que teríamos ajuda mensal do governo para arcar com os custos, mas não recebemos nenhuma. O único jeito de pagar a conta é com a venda do material reciclado, o que acaba saindo do ganho dos catadores”, observa Aline.
“Não é barato reciclar, quem paga a conta é o catador. O catador não vive, ele sobrevive do que faz. As cooperativas precisam voltar a ser um modelo de negócio atrativo aos catadores. Mas, para isso, é preciso apoio do governo para manutenção. Tenho esperança de que a gente vai superar as dificuldades e que as cooperativas se tornarão modelos de negócios viáveis”, reforça Aline.