Manifestações completam 10 anos neste mês, com consequências que mudaram a política do país.
Há 10 anos, o Brasil vivia a erupção das manifestação de junho de 2013. Milhões de pessoas, que protestavam por motivos diversos — nem sempre coerentes entre si –, levaram sua insatisfação para as ruas das principais cidades do país.
Os efeitos daqueles dias de sucessivos protestos, às vezes violentos, mudaram a sociedade e talvez leve mais 10 anos para entendermos todo seu alcance.
O g1 conversou com deputados e senadores que já estavam no Congresso em 2013. Eles, que viram as manifestações ocuparem o gramado em frente à sede do Legislativo, refletiram sobre o que mudou na política.
A ascensão do “parlamentar lacrador”, a difusão da antipolítica, uma “chacoalhada” no sistema e maior participação popular foram alguns dos pontos levantados pelos políticos.
Veja abaixo:
Redes sociais e ‘parlamentares lacradores’
As redes sociais já existiam em 2013. Mas foi em junho daquele ano que o país viu o poder que elas conseguiriam ter na mobilização de grupos para propósitos políticos.
“Os atos eram convocados pela internet e reuniram multidões”, afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
“Eu acho que despertou, em quem está na política institucional, em quem é candidato e depois eleito, governantes, parlamentares — de vereadores, prefeitos a presidentes e ministros e congressistas –, despertou a urgência dessa comunicação mais ágil, menos formal, mais criativa, mais direta, pelas redes”, argumentou.
Alencar, no entanto, pontuou que as redes andam “antissociais”, em referência aos conteúdos com discurso de ódio.
Para o senador Efraim Filho (União-PB), que em 2013 era deputado federal, houve um deslocamento do ambiente em que a política é discutida.
“Se antes as universidades e as ruas eram palcos principais do debate político, a internet passou a ser o grande fórum desse debate. E as redes sociais ganharam protagonismo como formadoras de opinião, dividindo a atenção com os meios mais tradicionais de informação da população”, argumentou o senador.
Ele disse ainda que a participação via internet é sentida até na tramitação de matérias no Congresso.
“Por exemplo, o acompanhamento online de votações ainda em tramitação e andamento no Congresso, o que pode influenciar na forma de o parlamentar se posicionar diante daquela votação em comissões ou no plenário”, completou.
Alencar, porém, aponta uma consequência não desejável. O surgimento do “parlamentar lacrador”, aquele que pauta a atuação pela repercussão que terá nas redes.
“Ela [a comunicação nas redes sociais] é direta, rápida curta. Curta e grossa, ela também estimulou lacradores, embusteiros, influenciadores digitais despreparados, sem conteúdo”, afirmou.
“Nunca tem um lado só. E a gente vê parlamentares toscos que se afirmam, isso também em todas as casas legislativas, câmaras municipais, assembleias estaduais, Congresso Nacional, esses fenômenos dos ‘influencers’”, continuou Alencar.
Olhar para fora da política
Os parlamentares também entendem que, após junho de 2013, os políticos — e o Congresso em particular — tiveram que olhar mais para fora da política.
“Temas que faziam muita pressão popular e que tinham uma movimentação muito localizada começaram a ganhar dimensão como é o caso do preço do transporte público”, avaliou o senador Eduardo Gomes (PL-TO).
O deputado Domingos Sávio (PL-MG) considera que, a partir dali, aumentaram os meios de participação popular na política.
“Até então, a participação ficava muito restrita ao voto e a manifestações isoladas de questionamentos ou de categorias profissionais”, argumentou.
A política teve que olhar para fora de si mesma, segundo Alencar, devido a um chacoalhão.
“Eu acho que a chacoalhada nos pilares do sistema, isto é no sistema republicano, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, foi muito grande. Eu diria que foi um susto nas elites políticas, judiciais e legislativas, o que é bom, porque a tendência do poder é ficar ensimesmado e se constituir como casta distante do clamor, da rua, da dor das gentes”, afirmou o parlamentar.
Antipolítica
Outro efeito não desejável foi o alastramento de uma visão antipolítica, que tende a criminalizar a política e os políticos.
Os manifestantes de junho de 2013 se orgulhavam de dizer que não pertenciam a partido político e nem eram ligados a nenhuma autoridade.
“Não teve lideranças incontestáveis, insofismáveis, verticais, não teve condução única. Não teve um projeto claro de poder e de país”, analisou Alencar.
“Não teve também estruturas de sindicatos, aquelas faixas que a gente manda fazer, carro de som, nada disso”, completou.
Ali estava o que o parlamentar chamou de “germe da antipolítica”, que anos depois, na visão dele, foi abraçado pela extrema direita.
“Tinha um embrião negativo da antipolítica, a negação dos partidos, o quase veto a bandeiras de partidos políticos. Essas manifestações massivas de 2013 traziam o germe da antipolítica, que foi capturado pela extrema direita, mais lá na frente, o que em Bolsonaro em última instância. Que, na minha avaliação, é muito ruim para o país, para a democracia”, avaliou.
Relação entre os poderes
O senador Efraim Filho levantou ainda uma consequência dos protestos de 2013 na relação entre os poderes da República.
Para ele, o Executivo perdeu um pouco da dominância que tinha sobre o Legislativo e o Judiciário. Isso, em grande parte, porque as manifestações jogavam muito das insatisfações da população nos ombros do Palácio do Planalto.
“Do ponto de vista institucional, vimos o poder Executivo, que sempre foi dominante na agenda do Brasil, perder espaço e ver crescer o protagonismo do Congresso e do Supremo, equilibrando a força e gerando tensão na relação interpoderes”, afirmou Efraim.