A Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), sindicatos das indústrias patronais da base industrial e sindicatos de trabalhadores nas indústrias iniciaram na quarta-feira, 21, em reunião realizada na Casa da Indústria sob direção do presidente da Fieg, Sandro Mabel, ofensiva para convencer o Banco Central (BC) a iniciar a derrubada da taxa básica de juros. Em carta divulgada ao final do encontro, lideranças empresariais e dos trabalhadores consideraram, unanimemente, no mínimo equivocada a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), composto pela alta direção do BC, de manter os juros em 13,75% ao ano, diante de uma inflação que caminha celeremente para o centro da meta e dos dados que mostram desaceleração da atividade econômica, queda do investimento, menor ímpeto dos empregos e novo avanço do desemprego.
“O desejo unânime é de que o Copom reveja a política adotada diante da retração da inflação e da necessidade de o País consolidar e acelerar um avanço econômico. Pois, com a deflação esperada para junho e a desaceleração para julho, há possibilidade de se cumprir a meta de 2023”, sustenta o manifesto divulgado na sequência da reunião do colegiado, que anunciou sua decisão de manter os juros nos níveis exorbitantes em vigor desde 4 de agosto do ano passado. O documento ganhou as redes sociais de todos os atores envolvidos e será distribuído a Câmaras de Vereadores de todos os municípios do Estado, de forma a reforçar as pressões em defesa da economia e da redução dos juros.
Morte de empregos e investimentos
“Os juros, nos níveis atuais, estão matando empregos, matando investimentos e paralisando a economia. Entendemos que passou da hora de o BC mudar sua política e essa mudança tem que ser imediata”, defende Mabel. Os juros básicos saltaram de apenas 2,0% para 9,25% entre a segunda quinzena de março e a primeira semana de dezembro de 2021, atingindo os níveis escorchantes de 13,75% em 4 de agosto do ano passado, há quase um ano, portanto. “Com isso, o custo de crédito encareceu, o consumo arrefeceu, os investimentos estagnaram e a especulação aumentou. Uma Selic em 13,75% significa juro real, na ponta, em torno de 40%, o que desestimula qualquer movimento de retomada da economia brasileira, que ainda não conseguiu se reerguer da crise de 2015-2016”, registra o manifesto.
Os dados do BC mostram que os juros cobrados das empresas no mercado de livre contratação de crédito, na média de todas as operações, avançaram de 13,8% ao ano em março de 2021 para 23,9% em abril deste ano. Mas a média “esconde” taxas absurdamente mais elevadas. Nas operações de desconto de duplicatas e recebíveis, num exemplo, os juros mais que dobraram, saindo de 10,2% para 21,5% no mesmo período. O desconto de cheques para pessoas jurídicas passou a embutir juros de 42,2% ao ano em abril passado, o que se compara com 27,8% em março de 2021, quando inicia-se a escalada dos juros básicos. O movimento de elevação no custo do crédito veio acompanhado de queda nas contratações no segmento de crédito livre, com o volume de concessões de novos empréstimos e financiamentos às empresas caindo 22,3% entre março de 2022 e abril deste ano, encolhendo de R$ 231,3 bilhões para R$ 179,7 bilhões em valores ajustados sazonalmente pelo BC.
Caminho anunciado de recessão
Líderes empresariais e sindicais consideram até acertada, num momento inicial, a decisão de aumentar os juros, já que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia atingido 12,13% ao ano em abril do ano passado – muito embora a forte elevação tenha refletido principalmente o encarecimento de insumos, matérias-primas, combustíveis e da energia causado pelas disfunções geradas pela pandemia nas cadeias globais de suprimento e logística, como lembra Eduardo Zuppani, presidente do Conselho de Assuntos Tributários (Conat) da Fieg. “Os preços internacionais já voltaram à normalidade, retomando níveis em vigor antes da pandemia. É preciso que os técnicos do BC reformulem seus conceitos, porque estamos caminhando para uma recessão séria, que não interessa a ninguém e ainda pode ser evitada”, comenta.
Com a inflação já sob controle e diante da perspectiva de uma deflação em junho, como antecipa o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), que ficou negativo em 0,17% nas quatro semanas finalizadas em 15 de junho, “a taxa de juros deve seguir o mesmo ritmo de queda para dar fôlego para a população”, registra o manifesto. “Se necessário, que ela volte a subir (mais à frente), mas mantê-la no patamar de 13,75% por puro conservadorismo é inaceitável”, reforçam ainda as lideranças empresariais e dos trabalhadores na indústria, para constatar na sequência: “O mercado e o governo federal estão insatisfeitos com a taxa praticada, pois o momento atual é outro, diferentemente de quando houve a implantação da elevação da taxa Selic”.
De fato, a tendência de deflação (quer dizer, queda dos preços, na média) vem sendo observada no mercado atacadista, de forma mais persistente, desde janeiro deste ano e acentuou-se nas últimas semanas, como mostram as séries estatísticas do Ibre/FGV. O comportamento baixista dos preços no setor, capturado pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que responde por 60% na composição do Índice Geral de Preços (IGP), passou a influenciar os preços cobrados do consumidor final, determinando a queda dos índices inflacionários e, em alguma medida, até mesmo a redução do custo de vida, mais recentemente.
Aferido entre os dias 11 de maio e 10 de junho, o Índice Geral de Preços-10 (IGP-10) caiu 2,20% na comparação com o período entre 11 de abril e 10 de maio, quando já havia recuado 1,53% frente aos 30 dias imediatamente anteriores. Aqueles resultados, como já anotado, vinham sendo influenciados quase exclusivamente pela redução dos preços ao produtor. Neste caso, o IPA havia sofrido baixas de 2,25% nas quatro semanas terminadas em 10 de maio e passou a cair 3,14% na medição feita até 10 de junho. Em 12 meses, os preços ao produtor acumulavam, até 10 de junho deste ano, um tombo histórico de 9,62%, o que levou o IGP-10 a encolher 6,31% em igual intervalo, na maior queda em toda a série histórica.
Com baixas nos preços da alimentação, educação e recreação, transportes e comunicação, a novidade mais recente foi a inflação negativa também na ponta final do consumo. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) anotou um recuo de 0,18% nas quatro semanas encerradas em 10 de junho, depois de ter subido 0,60% nos 30 dias anteriores – o que mostra a velocidade da desaceleração experimentada pelos preços, explicada em parte pela redução nos preços dos combustíveis, mas também com quedas em setores de grande peso na cesta de consumo das famílias e ainda com desaquecimento para todos os grupos de despesas. Para registro, o IPC aferido pelo Ibre/FGV registrava, até 10 de junho, variação de 2,65% em 12 meses, já abaixo do centro da meta inflacionária fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 3,25% para este ano, com tolerância de 1,5 pontos porcentuais para mais ou para menos, num intervalo, portanto, de 4,75% a 1,75%.
“Diante de todo esse contexto, reforça-se que a decisão do Copom em manter a taxa em 13,75% é equivocada e prejudicial para o atual momento econômico”, retomam a Fieg, os sindicatos patronais da indústria e líderes trabalhistas. Os mercados, lembram ainda, têm revisado suas projeções inflacionárias constantemente para baixo, numa tendência reforçada pela desvalorização do dólar, que acumulava baixa de 12,2% entre o início de janeiro e 21 de junho, quarta-feira, “o risco fiscal menor e, principalmente, a economia em clara estagnação, motivos mais do que suficientes para o início do ciclo de cortes de juros”.
De acordo com Mabel, os sinais de reversão da política de juros altos deveriam ter sido dados pelo Copom desde abril ou maio, quando já havia clareza em relação à mudança de tendência da inflação, confirmada mesmo pelo comportamento dos núcleos do IPCA, que excluem itens mais voláteis. Na média, os índices apurados com base nessa metodologia, utilizada pelo BC e consultorias independentes, saíram de 10,48% em junho do ano passado, no acumulado em 12 meses, para 6,74% em maio passado. O indicador de difusão, que registra o porcentual de itens e/ou produtos em alta dentro do IPCA, da mesma forma desabou de 74,93% para 55,97% entre maio do ano passado e igual mês deste ano. “O BC já estava errado desde janeiro. Precisamos bater bumbo para que a queda dos juros ocorra imediatamente”, ironiza o presidente da Fieg.
Na Mitsubishi, pátio está lotado de veículos
“A taxa de juros deveria já ter caído há mais de um ano”, afirma Miguel Torres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNTM) e da Força Sindical. Ele considera um absurdo o fato de o Brasil ter assumido, já há tempos, o posto nada honroso de campeão mundial de juros altos, à frente das 20 maiores economias globais, segundo a consultoria Análise Econômica, incluindo a Rússia, um país em guerra. “O BC é independente, mas não pode jogar contra o País, que precisa voltar a crescer”, acrescenta Torres. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (Simecat), Carlo Albino registra preocupação com os rumos da atividade industrial, apontando casos de demissões no parque instalado na região e paralisação de vendas. “Na Mitsubishi, por exemplo, o pátio está lotado de veículos”, afirma.
Numa visão mais ampla, prossegue a carta-manifesto, “o setor produtivo considera ainda que o controle da inflação, via restrição monetária, é contraproducente, diante da necessidade de agregar valor à produção e ampliar a participação da indústria no PIB nacional e no mercado internacional”. A Selic elevada, acrescenta o texto, “encarece o custo do crédito para famílias e empresas, o que contribui para esfriar ainda mais a atividade econômica. Esperamos que o bom senso prevaleça e que o Copom perceba a necessidade que o País tem de produzir, gerar emprego e renda”.
Zuppani faz questão de anotar os impactos fiscais gerados pela política monetária, o que tende a acirrar as expetativas mais negativas do mercado. Nos níveis atuais, estima o empresário, os juros geram uma despesa anual superior a R$ 600,0 bilhões para os governos. Os dados oficiais, divulgados pelo próprio BC, mostram um cenário ainda mais gravoso. Considerando os 12 meses encerrados em abril de cada exercício, as despesas com juros do governo geral, incluindo União, Estados, prefeituras e estatais, pouco mais do que dobraram em dois anos, saltando de R$ 366,423 bilhões em 2021 para R$ 762,307 bilhões em 2023 – um incremento nominal de 108,0%. Na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB), os juros nominais saíram de 4,55% para 7,48%, correspondendo à segunda maior marca da série histórica do BC, iniciada em 2007. A relação só foi menor do que o dado de 2016, quando os juros chegaram a representar 7,84% do PIB, considerando-se os dados acumulados em 12 meses até abril daquele ano.
A ata da reunião divulgada pelo Copom ainda no início da noite de quarta-feira, 21, desconsidera todo esse conjunto de dados e de riscos. Em seu trecho final, o comitê “reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Adicionalmente, acrescenta que o colegiado “avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária”. Em resumo, não há a menor sinalização de que a política de arrocho monetário poderá começar a ser revista na próxima reunião do Copom, agendada para 1º e 2 de agosto próximo.