Operários encontraram no fundo do rio Isar os escombros da antiga principal casa de culto judaico de Munique, demolida em 1938 por ordem direta de Hitler. Um achado sensacional que abre velhas feridas.
Até sua destruição pelo regime nazista, a Grande Sinagoga de Munique compunha o quadro urbano da capital bávara. Fotos antigas mostram a casa de culto judaica, inaugurada em 1887 na rua Herzog Max, próximo à atual praça Lenbachplatz: na época terceira maior sinagoga da Alemanha, bem ao lado da catedral católica, ela se integrava perfeitamente no centro histórico.
Um “símbolo da igualdade de direitos para os judeus, conquistada em longas e duras lutas”, descreve o Museu Judaico de Munique em seu blog. Possivelmente por isso era uma pedra no sapato dos nazistas, e em 9 de junho de 1938 foi demolida por ordem pessoal de Adolf Hitler.
Os restos do edifício acabam de ser redescobertos. Durante trabalhos de construção na barragem do rio Isar, perto da ponte Grosshesseloher, as escavadeiras esbarraram em fragmentos de pedra no leito do rio: flores, frisos elaborados, uma tábua da lei, ao todo 150 toneladas, entre dois e oito metros de profundidade.
O diretor do Museu Judaico, Bernhard Purin, conta que o sensacional achado quase o fez “cair da cadeira”: a primeira peça que identificou foi a velha tábua da lei, com os Dez Mandamentos em escrita hebraica, que ficava acima do relicário do torá.
Ensaio para a Noite dos Pogroms do Reich
O espanto generalizado se deve ao fato de que, nestes 85 anos, não havia indicação do paradeiro dos destroços da sinagoga. O cientista cultural Purin supõe que o motivo seja Munique ter recalcado seu passado nazista mais do que outras cidades alemãs e, terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, passou a “se definir pela alacridade regada a cerveja do Oktoberfest”.
De fato: só em 1969 os muniquenses ergueram um memorial de granito para a sinagoga destruída, da autoria do escultor Herbert Preis. Desde 2006, a nova sinagoga principal Ohel Jakob se localiza na praça Sankt Jakob, em meio ao centro histórico da capital estadual.
No ano seguinte inaugurou-se o Museu Judaico, e em 2015 o Centro de Documentação do Nacional-Socialismo de Munique. Hoje, relata Purin, a recordação do passado nazista é consenso na cidade.
A destruição da Sinagoga Principal antecedeu em seis meses a Noite dos Cristais, a série de pogroms do Terceiro Reich entre 9 e 10 de novembro de 1938: a mando do regime, incendiaram-se sinagogas em toda a Alemanha, judeus foram perseguidos, maltratados, presos e assassinados.
Com o ato precoce de destruição antissemítica em Munique, “pôde-se já testar como a população reage quando se demolem sinagogas”, avalia Purin. A demolição ficou a cargo da empresa de construção local Leonhard Moll.
Assim como outras companhias nacionais, ela lucrava com contratos do regime, como a construção da Casa da Arte Alemã ou do Westwall, a muralha de defesa na fronteira oeste da Alemanha. Sobretudo nos últimos anos da Segunda Guerra, eram empregados também trabalhadores forçados.
Recalque do passado nazista
Após a demolição, a empresa de início depositou o gigantesco volume de pedras em seu pátio de construção, até que foi contratada em 1956 para reparos da represa do Isar. Ao que tudo indica, as toneladas de escombros foram então despejadas no rio.
Também isso faz parte da história de recalque: na década de 1970, a municipalidade comprou o enorme terreno da firma Moll, até ele ser reconfigurado para a Bundesgartenschau 1983. “Foram movidos 1,5 milhão de metros cúbicos de terra para dar uma forma à paisagem. Além disso, plantaram-se 6 mil grandes árvores”, registra a sociedade responsável pela mostra de jardinagem em seu website.
Hoje lá está localizado o Westpark, uma paisagem ondulante atravessada por playgrounds e quadras de esportes, assim como locais para churrasco, rotas de passeio e ciclovias, uma cervejaria e um restaurante. É bem possível que mais destroços da Grande Sinagoga se encontrem debaixo de uma ou outra colina do parque.
O Departamento Estadual de Preservação do Patrimônio já começou o transporte das toneladas de pedra para outro depósito. O diretor Bernhard Purin calcula que o exame do material dure de um a dois anos. O Museu Judaico – que já tem em seu acervo fragmentos de pedra e dos vitrais da Grande Sinagoga – vai assistir na classificação dos objetos.